Um dos maiores desafios a serem enfrentados tanto pelas escolas quanto pelos alunos portadores de atraso no neurodesenvolvimento, é a questão da inclusão que vem sendo amplamente debatida e analisada por estudiosos e especialistas de diversas áreas que envolvem a educação, a socialização, o desenvolvimento da autonomia, a saúde e as abordagens terapêuticas.
Quando a família recebe o diagnóstico de atraso no desenvolvimento de um filho ou mesmo é chamado à escola para uma reunião com professores, coordenadores e/ou psicólogos, geralmente ocorre um sentimento de desamparo. E é justamente esse “desamparo” que caminha lado a lado com a maioria das famílias. E é quando as escolas, ao receberem crianças atípicas, também se sentem desamparadas diante do cumprimento das demandas acadêmicas e legais determinadas pelo Ministério da Educação e Cultura.
O que fazer diante de um quadro de inclusão escolar que envolve profissionais de várias áreas, além dos muros da escola? Como promover momentos de capacitação para montar um PEI (Plano de Ensino Individual) ou contratar funcionários com especializações de AT (Acompanhante Terapêutico)? Como dar suporte a equipe de professores com mais de um aluno com comportamento disruptivo em sala de aula? Como acolher a família que chega com muitas dúvidas, mas também com uma grande expectativa de bons resultados?
Acredito que dentro de um quadro irreversível de inclusão, as instituições de ensino de um modo geral, precisam se adequar e enfrentar o desafio passo a passo, com determinação, objetividade e acolhimento. Sem minimizar a importância da competência da gestão, na grande tarefa de estabilizar financeira e estrategicamente a vida da escola, o acolhimento à família é fundamental para que aconteça a parceria com os pais/responsáveis e entre os profissionais que atendem a criança/aluno.
O corpo docente e assistentes diretos, precisam buscar informações e formações oferecidas pela internet. Estamos diante de um quadro pós pandemia que oferece a possibilidade de adquirir conhecimento de qualidade, através de cursos e graduações EAD, que não eram valorizadas e nem reconhecidas. Mesmo as imersões gratuitas com conteúdo rico em todas as áreas afins, com profissionais de excelência como neuropediatras, que abordam as mais variadas facetas dos transtornos. Seja na área da alfabetização, na psicopedagogia, na pedagogia, na terapia ocupacional, na fonoaudiologia e até no manejo de crianças com comportamentos inadequados, as portas estão abertas àqueles que desejam saber mais, desenvolver estratégias específicas, conhecer e identificar os comportamentos que sinalizam que aquele aluno está no seu limite de tolerância ao barulho dos colegas, a música alta, ao material que está manipulando. O conhecimento e a habilidade de permanecer atento às necessidades daquele indivíduo – conhecer seu aluno – é fundamental.
O profissional da área de ensino acadêmico, principalmente aqueles do início da formação, no momento da entrada da criança na vida escolar, precisa estar sempre em movimento de aquisição e aprofundamento do conhecimento sobre as principais características de atraso no neurodesenvolvimento, sejam síndromes, transtornos ou lesões envolvendo áreas que prejudicam as funções cognitivas e de autorregulação como o TDAH (Transtorno com Déficit de Atenção e Hiperatividade), TEA (Transtorno do Espectro Autista), Síndrome de Down, TOD (Transtorno Opositivo Desafiador), entre outros que trazem características semelhantes como no caso das AH (Altas Habilidades) e SD (Super Dotação). As quais, após discussões e conflitos teóricos entre acadêmicos e especialistas, em 1971 foram definidas pelo MEC através da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) como a mesma coisa. Embora para algumas ativistas da adequação da educação inclusiva, como a Dra. Olzeni Ribeiro, com larga experiência na pré-escola, alfabetização e coordenação escolar, a definição de AH, apesar de ter características semelhantes à de SD, apresenta diferença na sua condição.
A AH apresenta a condição da capacidade do indivíduo desenvolver bem diversas habilidades através de um aprendizado. A SD, apresenta a condição de família, é genética e hereditária, segundo pesquisas científicas. Portanto, o indivíduo superdotado já nasce com um cérebro desenvolvido de forma a apresentar um não sincronismo entre a idade intelectual e a idade cronológica. Dessa forma, a criança pode vir a criar significativos desafios comportamentais. Além dessa característica, existe aquela que é a principal por ser comum a todo espectro SD – a intensidade, a super excitabilidade – lacuna entre a cognição e a sensibilidade extrema. A criança reage oscilando entre as várias idades que habitam seu cérebro. A assincronia entre a cognição e sua idade cronológica, gera um sentimento de desajuste. A potência com que o SD percebe os estímulos do meio provoca um grande impacto em seu corpo, porque não há tempo para que processe a informação. Ao contrário do indivíduo típico que processa a informação com mais tempo e menor impacto.
O comportamento do indivíduo SD é, frequentemente, confundido com o comportamento TOD por apresentar um processamento rápido da informação e ficar irritado com o excesso de explicação. Tem a capacidade aumentada de aprendizagem e questiona bastante sobre qualquer assunto. Enquanto que o portador do TOD desafia, é mais agressivo, não se arrepende, não pede desculpas.
Os indivíduos portadores de TEA, encontram-se dentro de um diagnóstico que abrange três níveis de suporte: 1 (leve), 2 (moderado) e 3 (severo). Geralmente, aqueles que chegam às escolas apresentam o nível 2 ou nível 1 de suporte. Dessa forma, apresentam além dos níveis de suporte, a necessidade de intervenções extra curriculares. O tripé que sustenta o desenvolvimento da criança autista é a ação conjunta da família, da escola e das terapias necessárias a cada singularidade. Desenvolver as habilidades básicas para a aprendizagem envolve: contato visual, atenção compartilhada, imitação, rastreamento de objetos e interação social.
No TDAH, a criança apresenta impulsividade, não consegue se manter imóvel por um curto período de tempo, porque o centro posterior de controle motor não funciona adequadamente por uma questão de bloqueio ou má captação de um neurotransmissor naquela área do cérebro. Isto ocorre ao mesmo tempo em que o centro anterior do controle da atenção também apresenta disfunção.
O profissional da área acadêmica envolvido com o processo de aprendizagem e aquisição de habilidades básicas para o desenvolvimento das atividades curriculares, precisa estar atento a qualquer manifestação de comportamentos atípicos aos marcos de desenvolvimento infantil, mas com o cuidado de não emitir qualquer diagnóstico. Deve, somente, comunicar à família a necessidade de encaminhamento a um profissional da saúde.
Cada comportamento atípico ou disfuncional deve ser observado pela equipe e transmitido a família, para que as partes ajustem o próximo passo em direção a uma solução. Na presença de uma confirmação diagnóstica de qualquer transtorno ou atraso no neurodesenvolvimento, as partes vão acordar sobre o processo de aprendizagem que poderá sofrer alterações para a adequação dos conteúdos curriculares.
O importante é manter uma relação de confiança e transparência entre as partes, para que haja o melhor nível de aproveitamento dos conteúdos programáticos, assim como um método de transmissão mais leve e adequado às limitações do aprendiz. Atingir um grau de atenção, concentração, memória de trabalho, autocontrole, tomada de decisão e ideação, são funções difíceis de executar quando existe uma disfunção no córtex pré-frontal responsável pelas mesmas.
Na presença de alunos diagnosticados como portadores de atraso no desenvolvimento, o planejamento das aulas deve focar na motivação, para promover a atenção que vai ativar a memória de trabalho e atingir a aprendizagem, lembrando que cada sujeito cerebral é único. Analisar a potencialidade da turma em relação ao aluno atípico e pensar em estratégias que possibilitem a aprendizagem com a adequação dos conteúdos ao perfil da criança, sem prejuízo aos demais.
A estimulação precoce é a forma mais eficiente de desenvolver ou reabilitar funções não adquiridas ou perdidas pela criança, dentro do processo de “poda neural” ou “poda neuronal”. A “poda neural”, acontece naturalmente e é comum a todos os indivíduos neurotípicos e atípicos, em determinados períodos do neurodesenvolvimento. Geralmente, ao final do segundo ano de vida, acontece a primeira “poda” e é quando a escola aponta para alguma regressão nas habilidades adquiridas pela criança. O atraso em determinadas habilidades ou funções, assim como a falta de resposta a marcos do neurodesenvolvimento, dentro de uma faixa considerada “zona de desenvolvimento proximal”, pode sinalizar que a criança precisa iniciar a terapia de estimulação precoce, mesmo sendo ainda um bebê.
Acredito que, quando a triangulação entre família, escola e terapeutas acontecer de forma efetiva, um universo de possibilidades será trazido à luz e a inclusão terá os benefícios e resultados que realmente levem a criança atípica à autonomia.
Espero que essa breve apresentação dos fenômenos atípicos do neurodesenvolvimento, possa ter contribuído, de alguma forma, para o despertar de pensamentos transformadores, inquietos com a formalização de padrões educacionais que não funcionam ou não oferecem resultados a longo prazo. Quem sabe, essas novas crianças estejam nos apresentando os desafios necessários a uma nova forma de educar e de adquirir conhecimento. Alargando fronteiras para um olhar mais dinâmico e leve de aprendizagem, onde o “diferente” é soma e não subtração.
Artigo criado por: Maria Christina Lauria | Psicóloga Clínica Infantil – CRP 05/37883
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